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Para Liogi Suzuki, maior legado do judô são seus ensinamentos


Ao completar 77 anos de vida e 68 anos de prática, o professor kodansha kyuu-dan (9º dan) Liogi Suzuki continua sendo a maior referência do judô paranaense

Kodanshas do Brasil 9 de junho de 2020 Por ISABELA LEMOS e PAULO PINTO I Fotos BUDOPRESS e ARQUIVO Curitiba – PR

Nascido em 9 de julho de 1943, na cidade de Lins (SP) e, segundo gosta de destacar, 11 anos após a Revolução Constitucionalista, o professor kodansha kyuu-dan (9º dan) Liogi Suzuki é formado em ciências econômicas, contabilidade e pós-graduado em educação física.

Iniciou a prática do kendô aos cinco anos com seu pai Yoshimasa Suzuki, e posteriormente, foi aluno de judô do sensei Shoiti Tida, no Educandário Seirio.

Graduado 9º dan no final de 2003 e praticante convicto da filosofia criada por Jigoro Kano, Suzuki é um dos poucos professores remanescentes da velha escola do judô arte.

Carismático, sensei Liogi é querido por todos pela humildade, retidão e conduta ilibada. Um faixa-vermelha que, além de dar sempre exemplos de vida, é um professor kodansha na acepção da palavra.

Olhando para o passado, sensei Suzuki conta como deu os primeiros passos nos tatamis. “Aos cinco anos, eu era muito fraco e lento, mas meu pai levantava de madrugada e me fazia empunhar o shinai, já que era praticante de kendô. Ele tentava imprimir uma educação espartana, mas, coitado, eu só o decepcionava. Era muito desapegado dessas coisas de luta, e enquanto ele tentava me meter o shinai por goela abaixo, minha mãe temerosa chorava pelos cantos da casa. Não sei se foi pela rigidez imposta por meu pai, mas eu era medroso e detestava aquilo.”

Liogi Suzuki, professor kodansha kyuu-dan (9º dan)


Aos poucos, Suzuki foi aproximando-se do judô, que acabou fazendo parte de sua vida. “Em 1948, nos mudamos para Londrina (PR), e continuei treinando com meu pai porque eu era o mais velho dos cinco filhos – na cultura japonesa sempre o mais velho tem de dar o exemplo. Era shinai todos os dias, mas no fim de 1952 surgiu o professor Uchida, que passou a ensinar o judô numa escola de língua japonesa. Foi então que meu ingresso no judô se efetivou.”

O professor kodansha paranaense explica como mergulhou no mundo do judô. “Em meados de 1948, no fim do conflito mundial, frequentava sempre a escola do professor Sadao Ishihara, onde vi alguns professores renomados do Japão, como o professor Yoshimi Ozawa, faixa vermelha juu-dan (10º dan), que ensinou Chiaki Ishii na universidade de Waseda. Ele foi meu exemplo porque não tinha um físico avantajado, mas possuía uma técnica excepcional. Acho que até o Shiozawa se espelhou nele no de-ashi-harai, que fazia em dois tempos. Ele era franzino, porém, ao olhar seus dedos, notei que tinha um calo imenso, e aí me dei conta de como aquele professor devia ser humilde e abnegado. Quantos milhares de judogis devia ter segurado para fazer um calo daquele tamanho? Há também dois senseis juu-dan 10º dan no Japão, Daigo e Abe, que tive a oportunidade de encontrar naquele país em 1999.”

“O o-kuri-ashi-harai e o-guruma do Shiozawa eram pinturas tão lindas como as de Van Gogh. Ele foi insuperável!”

Sobre sua trajetória de atleta, apesar dos títulos conquistados, Suzuki conta que nem sempre pôde dedicar-se 100% aos treinos. “Minha vida foi bastante atribulada. Em 1964 fui para São Paulo estudar ciências econômicas, porque já me havia formado técnico em contabilidade, só que tentei cursar educação física, contrariando o objetivo inicial. Comecei a frequentar a academia do professor Ono, porque eu já havia competido com o Akira Ono. Fui treinando e caí no agrado do patriarca Yasuichi Ono; tornei-me instrutor, e acabei ficando em São Paulo até o início de 1966. Durante esse tempo, conheci os atletas paulistas de ponta, como Akira Ono e Takayuki Nishida, que veio a ser um futuro adversário e foi um dos mais difíceis que enfrentei na carreira. Em 1966, voltei para Londrina e recebi um ultimato do meu pai, que rispidamente falou: ‘Ou você volta a estudar e termina o curso superior, ou tudo acaba aqui. Se o seu negócio é o judô, pode pegar seu kimono e tomar seu rumo fora de casa’. Foi aí que vi realmente a preocupação dos meus pais e percebi quão importante era ter uma formação. Naquela época, judô não era uma profissão. Era apenas um meio de auxiliar na formação integral do indivíduo; viver do judô mesmo, nem pensar! Assim, retomei meus estudos e cursei ciências econômicas em Apucarana e mais tarde vim a formar-me em educação física. Tive sucesso como atleta de 1965 até 1970. Fui campeão brasileiro universitário três vezes e bicampeão brasileiro pela CBJ. Consegui amealhar cerca de oito títulos nacionais, um sul-americano e fui vice-campeão mundial universitário em 1968, em Lisboa. Nesta mesma competição, o Mateus Sugizaki foi campeão mundial. Naquela época, o campeonato universitário era o top das competições. Minha categoria, -66kg, era a mais leve da época, e nunca pesei mais 60 quilos.”

As primeiras medalhas do Brasil em campeonatos mundiais de judô foram conquistadas em Lisboa, Portugal em 8 de setembro de 1968 com Mateus Sugizaki, campeão dos pesos leves (71kg) e Liogi Suzuki, vice-campeão dos pesos penas (63kg)


Em seu auge, Suzuki passou pelo momento mais marcante de sua carreira. Ele conta que, devido à rigidez, seu pai nunca teceu um elogio ao filho mais velho e não tinha muito tempo de assistir às competições. Só compareceu a uma: o campeonato brasileiro realizado em Brasília (DF).

“Naquele dia acordei iluminado, pois Deus estava comigo. Meti ippon, wazari, fui considerado o melhor do campeonato. Um caipira do Paraná foi até Brasília e fez acontecer. Meu pai desceu da arquibancada e, pela primeira vez na vida, teceu um elogio: “Você lutou bem, meu filho”. Meu senpai, Kenjiro Hironaka, estava arbitrando, e falou com meu pai. Segundo palavras do Hironaka, meu pai disse: ‘Eu posso morrer a qualquer hora, mas estou feliz por ter visto o meu filho competir pela primeira vez na vida, pois não sabia que ele era tão bom’. Ele faleceu três meses após essa competição.”

Os professores Kenjiro Hironaka (senpai de Suzuki) e Kenzo Minami em 2003, quando Minami foi visitar o amigo do Paraná que havia regressado para o Japão


Conhecido por seus conselhos e palavras encorajadoras, Suzuki revela como aprendeu da forma mais dura a tirar ensinamentos de situações devastadoras, que podem acontecer tanto dentro quanto fora dos tatamis. Em meados dos anos 1970, o Campeonato Pan-Americano realizou-se em Londrina, o primeiro torneio desse tamanho disputado no interior do Paraná.

“A minha performance nessa competição foi um fracasso, um fiasco, literalmente levei uma surra. Um vexame tremendo, mas que serviu como uma lição de vida. O sofrimento que é apanhar na própria cidade, na qual todos os meus amigos estavam animados para me ver lutar. Foi algo que não desejo a ninguém. Fiquei decepcionado, mas a vida precisava continuar. Se eu não tivesse passado por esse vexame, eu não poderia estar orientando e aconselhando as pessoas hoje”, assegura o professor.

Para Suzuki, o judô é a sua grande paixão, o ar que respira e uma energia que o envolve até hoje


Melhores judocas da época

Suzuki recorda os melhores judocas de sua época. “Sem dúvida alguma, o professor Lhofei Shiozawa foi o mais técnico que vi lutar até hoje. Sua principal característica era a maleabilidade, e abusava dos contragolpes. Tinha uma calma inabalável, nada o perturbava e, se levava desvantagem, em seguida reagia e buscava o ippon. Seus o-kuri-ashi-harai e o-guruma eram pinturas tão lindas como as do Van Gogh. Ele era insuperável. Mas fora do Brasil conheci o Isao Okano, no mundial de 1965, realizado no Rio de Janeiro. Sua técnica me marcou muito porque até hoje não vi ninguém aplicar golpes com tamanha precisão e velocidade, variando as técnicas. Foi por isso que com apenas 1,70 m de altura e 80 kg conseguiu ser bicampeão absoluto japonês. Mais tarde nosso querido e saudoso amigo Georges Mehdi foi fazer um estágio no Japão, onde ficou sob os cuidados de Isao Okano; acabaram tornando-se grandes amigos.”

Os dois primeiros faixas vermelhas do Paraná, Sadai Ishihara e Liogi Suzuki com dona Kiê Ishihara, em Açaí (PR) em 1998


Saudoso, o kodansha londrinense enumera os judocas que compunham a seleção brasileira da época. “A partir de 1962 passamos a ter três categorias: leve, até 68kg; médio, até 80kg; e acima disso o pesado. As feras do leve eram Akira Ono, Takeshi Miura e Manabu Kurati; no médio, Lhofei Shiozawa e Miguel Suganuma; no pesado, Georges Mehdi, Carlos Cavalcante, Goro Saito e Roberto Daud. No campeonato mundial realizado no Rio de Janeiro, em 1965, permaneciam as três categorias, mas em 1966 tornaram-se cinco: pena, até 63kg; leve, 70kg; médio, 80kg; meio-pesado, 93kg; e pesado, acima de 93kg.

Ishii: um mito

Segundo Suzuki, as novas categorias de peso mudaram o contexto do judô nacional. “Após estas mudanças, houve uma dança das cadeiras, e no peso pena tínhamos o Sassaki, que foi campeão pan-americano, Takayuki Nishida e eu, que perturbei bastante e era o único fora do eixo SP/RJ/DF que conseguiu destacar-se durante essa década. Quando não era campeão eu era vice, e quando eu não representava o Paraná, meu Estado não pontuava. No peso leve eram Mateus Sugizaki, Takeshi Miura e Santos Mário Zulo. No médio havia o Shiozawa, Roberto Mitio Ohayrada, Miguel Suganuma e um atleta excepcional do Rio de Janeiro, o Shunji Hinata. No meio-pesado havia o Georges Mehdi, Harui Nishimura e o Artur. No pesado, o Goro Saito, Durval Rente, Arnaldo Artilheiro e o Edson Leandro, o famoso Sansão, do Rio de Janeiro. Mas quando o Ishii chegou ao Brasil e entrou no meio-pesado, acabou com a graça de todo mundo. Ele era descomunal.”

Nesse momento, Suzuki fez uma pausa e uma comparação entre os judocas mais técnicos da história. “Muita gente me questiona sobre quem era melhor: Shiozawa ou o Ishii? Mas, na verdade, são dois judocas totalmente diferentes. O Ishii era truculento e muito forte, enquanto o Shiozawa era sutil e extremamente técnico. Um ganhava pela força e o outro pela técnica. Um tinha bom judô, mas era forte e o outro também tinha bom judô, mas ganhava pela técnica. O Carlos Alberto Cunha, do site Judô Brasil, fez uma enquete para saber quem foi melhor: Mehdi, Shiozawa ou Ishii? Mas em minha opinião os três têm foram extremamente técnicos, fizeram escola e têm méritos próprios. Não sei como o Ishii veio parar no Brasil e foi bater lá na escola de agronomia em Presidente Prudente, pois ele estudava na Universidade de Waseda. Aí competiu no Torneio Beneméritos em 1965, em São Paulo, e derrotou o lendário Kawakami, que até aquele momento jamais alguém havia visto voar. Desde então o próprio pessoal da federação paulista começou a reverenciá-lo e o professor Hikari Kurati o convidou para estagiar e treinar em sua academia.”

Seleção brasileira de 1968, entre os atletas estão Mateus Sugizaki e Liogi Suzuki. Entre os dirigentes está o professor Edgar Ozon e Seissetusu Fukaia, técnico do Brasil


Suzuki lembra a peregrinação que tornou o sensei Ishii um mito em todo o continente. “Depois de um tempo ele iniciou uma viagem pela América do Sul inteira. Saiu da Argentina, atravessou os Andes no Peru, e foi fazer um treino solitário nas montanhas, como um samurai errante. Com isso tornou-se conhecido em toda a América do Sul, mais que qualquer outra pessoa do Brasil, e se transformou num mito. Estive algumas vezes na academia do sensei Kurachi, no Parque Don Pedro, e treinei com ele. Lá treinavam também os senseis Odair Borges e Uishiro Umakakeba que, aliás, largou tudo para ficar treinando com o Ishii e sagrar-se campeão brasileiro em 1969.”

Questionado sobre a vinda de Ishii ao Brasil, Suzuki esclarece que não houve nada de errado. “Só me surpreendi porque os japoneses que chegaram no início do século vieram em busca de uma vida nova, num país ainda em formação e sem a menor infraestrutura. O Ishii veio ao Brasil na década de 1960, quando já tinha fama e destaque no cenário esportivo japonês. Para o judô brasileiro, ele caiu como uma luva e até o próprio Augusto Cordeiro, presidente da CBJ, o incentivou a colocar toda a sua performance em prol do judô brasileiro. Assim, naturalizou-se em 1969 e em 1971 foi medalha de bronze no campeonato mundial de Ludwigshafen, na então Alemanha Ocidental. No ano seguinte conquistou o bronze nas Olimpíadas de Munique. Ele só somou no desenvolvimento técnico do judô brasileiro.”

Com Ishii, sensei Suzuki dividiu grandes momentos. “Em 1966, tive o primeiro contato com ele quando veio a Londrina a convite do pessoal do Paraná, que queria conhecê-lo. Treinamos, e depois tomamos um porre juntos, e assim nos tornamos mais íntimos. Em 1967, voltou para me visitar, e assim iniciamos uma grande amizade. Certa vez, o Ishii estava na arquibancada num campeonato pan-americano, e na final contra o Eli Sassaki, do Distrito Federal, meu maior adversário na época, eu estava com os dois joelhos lesionados. Peguei no tai-otoshi, mas ele contragolpeou e me jogou com um uchi-mata. O Ishii desceu da arquibancada e me deu um pito, dizendo que eu estava ganhando e que tinha faltado garra. Então, prometi que na próxima eu ia jogá-lo, e não deu outra. Cruzei com o Eli numa seletiva para o mundial, e cumpri minha promessa. Tive de jogá-lo duas vezes, até que o árbitro lateral, que era Hikari Kurachi, se levantou e disse para o central: sensei, o primeiro já foi ippon. O central era o querido sensei Fuyuo Oide, da Lapa, que imediatamente deu o ippon e na sequência venci o carioca Augusto Acioli de Oliveira, e carimbei meu passaporte para Lisboa.

O carioca peso pena san-dan, Augusto Acioli de Oliveira disputou com Suzuki a final da seletiva para o mundial de Portugal


Vocação e talento

Segundo o professor kodansha kyuu-dan, para praticar o judô, deve haver certa vocação e talento. Porém, ser bom na modalidade advém de muito esforço pessoal, empenho, abnegação e sacrifício.

“Conheci pessoas com a intenção de competir no judô, mas não nasceram para isso, infelizmente. O objetivo do judô é proporcionar saúde, bem-estar e fazer com que o praticante seja alguém bem ajustado à sociedade. Penso que seu principal propósito é a formação do ser humano. Infelizmente, hoje se pratica muito o judô apenas por competição e resultado, e quem faz isso pode acabar quebrando a cara porque, às vezes, não nasceu para isso. Se essa pessoa for avisada de que o judô é um esporte do qual faz bom proveito quem dá o máximo de si para ser bom atleta e bom cidadão, ela possa ir bem nos tatamis, mas com certeza será uma verdadeira judoca e tirará o máximo proveito dos seus ensinamentos.”

Suzuki elenca os judocas que o auxiliaram em sua formação. “O primeiro foi meu pai, Yoshimasa Suzuki, que me ensinou kendô e judô. Depois, aprendi com os senseis Tida, Sadao Ishihara, Yasuichi Ono, Georges Mehdi e, por último, o Chiaki Ishii, que maneirou comigo e felizmente não deu muita porrada. Ele pegou leve.”

Pertencente à velha escola, Liogi Suzuki não dominava apenas um tokui-waza; tinha um leque infindável de golpes que se completavam e eram usados para contragolpear seus adversários. “Na minha época não se escolhia um, dois ou três golpes. Acho que meu tokui-waza compunha-se de uma infinidade de golpes que me davam várias opções, já que meus adversários também me bombardeavam com artilharia pesada, variada e frequentemente mortal. Hoje se vê mais disputa de kumi-kata (pegada), não lutas de judô. Mas eu preferia entrar com o-ushi-gari, ko-uchi-gari, tai-otoshi, tomoe-nage e uki-waza, entre outros.”

Carismático e vibrante, Suzuki emana alegria e otimismo para os judocas paranaenses


Sensei Liogi reconhece as feras que fizeram história no judô paranaense. “Tivemos grandes atletas no Paraná, entre os quais destaco Rogério Cherubin, Ney de Lucca Mecking, Rubens Tempski, Henrique Miniskowsky, Rinaldo Caggiano e, hoje, Rafael Silva, do +100kg, que recentemente fez a final do Grand Slam contra Teddy Riner, o gigante francês.”

Sensei Suzuki destaca a dívida do judô com Sadao Ishihara, introdutor do judô no Paraná e até hoje considerado o presidente de honra da federação paranaense.

“Ele não era muito desenvolvido tecnicamente, mas era o mais graduado. Aprendeu judô com um aluno direto do sensei Kano no Instituto Kodokan. Ele tinha pedigree. Por isso, os brasileiros faziam questão de conhecê-lo. Devemos muito a esse senhor no tocante à evolução do judô no Paraná. Ele predominou no Estado até a criação da FPrJ, em 1961, e temos uma dívida de gratidão por não o termos trazido para a FPrJ.”

O kodansha paranaense enumera quais devem ser as principais características de um campeão. “Competidor é todo atleta que é federado e entra nos tatamis em busca de resultado, mas o campeão é um sujeito diferenciado em vários aspectos e atributos, entre os quais destaco a humildade, perseverança e determinação para treinar e, na competição, derrubar seu oponente. Mas acima de tudo um campeão tem de estar totalmente fundamentado no bushidô.”

Suzuki relaciona os judocas mais técnicos que viu lutar: Georges Mehdi Lhofei Shiozawa, Chiaki Ishii, Hikari Kurachi, Masayoshi Kawakami e Hiroshi Minakawa. “Antes fazíamos técnicas preparatórias para depois entrar os golpes. Mas na época havia mais praticantes, porque só se praticavam futebol e judô. Hoje a variedade de modalidades esportivas é muito grande e até mesmo o futebol perdeu espaço.”

Sobre os professores que fizeram escola, Liogi é enfático. “Georges Mehdi, Paulo Duarte e Massao Shinohara. Hoje temos muitos judocas saindo de projetos sociais.”

Na visão do sensei Liogi, o judô atual já não é tão prazeroso. “Em linhas gerais, fazer judô deixou de ser uma coisa gostosa e bonita, já que o profissionalismo se apossou da modalidade. Tenho a impressão de que acabou o romantismo e tudo ficou muito duro e rude. Hoje não vemos mais judocas técnicos e habilidosos, sobrepondo-se aos adversários pela sutileza e inteligência. Vemos halterofilistas robotizados vencendo na marra e na força. O Japão ainda mantém a técnica, mas gradualmente a força vai sobressaindo. O que me preocupa mais é o tanto que exigem dos judocas do alto nível, que de alto nível mesmo não têm nada. Penso que existe uma pressão psicológica enorme, e nenhuma contrapartida é oferecida aos atletas que se arrebentam. As coisas tomaram um rumo totalmente contrário àquilo que Jigoro Kano projetou.”

“Ainda me impressiono com a quantidade de atletas que entram no shiai-jô e não sabem comportar-se. É um bando de gente robotizada, que nem o rei-hô sabe fazer direito.”

Suzuki entende que a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) tira os judocas de seu habitat e não oferece nenhum respaldo psicológico a eles. “O Yamashita era do interior do Japão e durante nove anos consecutivos foi campeão japonês, mundial e olímpico. Quando foi para a Universidade de Tokai, deixou o aconchego do seu lar, ficando distante de seus familiares. Entretanto, lá encontrou Noboyuki Sato, que lhe proporcionou um ambiente familiar excelente, e foi justamente este calor humano que o fez manter-se no topo por uma década. Digo isso para lembrar que dentro de cada campeão existe um ser humano carente de tudo que uma pessoa normal carece. Não vejo ninguém se preocupando com os aspectos psicológicos dos atletas. Aliás, não vejo nem os técnicos dos atletas de ponta acompanhando seus judocas nas principais competições pelo planeta, e isso é fundamental. O número de lesões é cada vez maior e só vejo cobrança, mas não vejo a contrapartida, sem contar que judoca tem uma vida competitiva muito curta.”

O sensei londrinense reflete sobre o abismo existente entre o que ganha um judoca, se comparado a outros esportistas. “O judô foi criado para formar e construir homens e mulheres centrados, com alto grau de sociabilidade, pessoas de bem e que geralmente dão bons exemplos. Mas o que vemos hoje é um bando de gente com desvios comportamentais, e já que a coisa virou business, se compararmos o que ganha um jogador de futebol ou de vôlei, com o que ganha um judoca campeão de um Grand Slam, é algo irrisório.”

Coordenador de técnicas da FPrJ, Suzuki avalia candidatos a promoção junto com os professores Roberto Nagahama e José Luis Lemanczuk Júnior


Lembrando que o judô era ensinado no Brasil apenas pelos japoneses que chegavam no início do século passado, sensei Suzuki aponta a falta de bons professores. “Inicialmente o professor Jigoro Kano não via o olimpismo com bons olhos, mas chegou um momento no qual ele não pôde mais ignorá-lo, a partir daí o judô deixou de ser uma atividade com características eminentemente formacionais e passou a ser um esporte. Surgiram os megaeventos e a indústria de material esportivo, e isso não tem mais volta. Despido totalmente de qualquer tipo de saudosismo, ainda me impressiono com a quantidade de atletas que entram no shiai-jô e não sabem comportar-se. É um bando de gente robotizada, que nem o rei-hô sabe fazer direito. E isso é reflexo da péssima transmissão. Parece até que hoje só temos técnicos de judô, não vemos mais professores de judô.”

Liogi Suzuki acredita que seu legado é aquilo que conseguiu transmitir aos seus alunos. “Praticamente todos os alunos que tive na Academia Suzuki de Judô tornaram-se grandes pessoas. São médicos, engenheiros, dentistas, pesquisadores, mas acima de tudo gente bem sucedida e atuante na sociedade. Este é o meu legado e a herança que deixei a eles. Acho que tive mais de dois mil alunos, mas lamentavelmente no máximo seis deles tornaram-se professores de judô.”

Para o professor kodansha kyuu-dan (9º dan), o Paraná tem apresentado um crescimento progressivo. “Eu sempre torço para que o judô paranaense cresça. Não é porque cresci no Estado, mas porque há gente batalhando bastante e o trabalho desenvolvido pelas várias comissões da FPrJ comprova minha afirmação. O atual presidente, Luiz Hisashi Iwashita, tem lutado muito pelo desenvolvimento do judô na região. Sou um dos únicos fundadores da Federação Paranaense de Judô vivo. Na época, eu tinha 18 anos, assinei a ata de fundação e participei de todo o processo de desenvolvimento institucional da entidade. O Paraná abriga a segunda maior colônia japonesa do País, e o judô faz parte da cultura esportiva do Estado. Outro fator preponderante é que a FPrJ tem sido modelo de gestão na realização de grandes eventos, workshops e cursos, figurando sempre no topo do ranking das competições nacionais.” 

Em cerimônia de outorga realizada no início do ano, Liogi Suzuki entrega o shichi-dan (7º dan) ao professor Luiz Hisashi Iwashita, presidente da FPrJ


O destacado professor paranaense prega a obrigação de se difundir os ensinamentos de sensei Kano. “Vivemos um paradoxo, mas temos a obrigação de difundir e cultivar os preceitos criados pelo sensei Kano. Antes os professores de judô também educavam os pequenos judocas e cobravam postura, higiene, conduta e bom desempenho escolar. Hoje nem isso podemos fazer, pois os pais não admitem ingerências.”

Sensei Suzuki fez questão de falar qual é a mensagem do sensei Kano de que mais gosta: um coração maleável vence a brutalidade. “Na prática isso quer dizer que temos de ser flexíveis e tolerantes para ajudar nossos semelhantes. Acima de tudo Jigoro Kano foi um educador, e o judô, apenas um pedaço de sua obra. Penso que o maior legado que o judô nos oferece são seus ensinamentos.”

Vida e paixão

“O judô se incorporou à minha vida. É minha paixão. Contrariei meus pais, que gostariam que eu focasse nos estudos apenas. O judô é o ar que respiro e uma energia que me envolve até hoje. Tive um mal súbito no ano passado e me recuperei. Tive o privilégio de praticar muito tempo e ser professor de judô. Não é uma profissão fácil ser professor de judô. Me engajei na universidade, dei aula nas universidades e continuo sobrevivendo com o judô”, afirma o professor kodansha.

A Associação Suzuki de Judô foi fundada em 1967 e continua em plena atividade. “Antigamente, não havia os mesmos recursos de hoje. Foi por pura paixão. Muitos amigos, assim como Lhofei Shiozawa e Mateus Sugizaki, já foram embora. Na época em que eu estava no meu auge, o judô ainda não era um esporte olímpico. Fiz muitas coisas, não tive muito reconhecimento. Daqui a alguns anos ninguém mais estará falando do Tiago Camilo ou Aurélio Miguel, parece que tudo isso é passageiro. A vida no judô é efêmera.”

Mateus Sugizaki e Liogi Suzuki, os dois primeiros brasileiros finalizas em campeonatos mundiais


Mesmo agora, a vida de Suzuki não é fácil. “Aos trancos e barrancos, a minha academia funciona”, desabafa. “Quem puder contribuir, contribui, quem não puder, tudo bem. Está de portas abertas e atendendo as pessoas. Enquanto o tempo me permitir, estarei no judô. Meus alunos chegaram à terceira geração – depois dos pais e dos filhos, agora os netos estão treinando comigo. São alunos de coração mesmo. Minha maior satisfação é ver essas crianças e os jovens se tornarem adultos e bons profissionais, que venham a desempenhar papéis importantes na sociedade. Posso continuar praticando o judô até morrer, já que ele não é mais meu ganha-pão. Eu me sinto um cara privilegiado por isso.”

Liogi Suzuki faz um pedido aos professores do Brasil. “Estamos num processo irreversível, mas espero que o judô nunca deixe de ser uma fonte de inspiração, que seus princípios éticos e educacionais, se perpetuem. Peço a todos os professores que mantenham o compromisso de trabalhar incansavelmente por uma sociedade mais justa e melhor.”

Formação acadêmica

Liogi Suzuki é economista formado pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (1970) e licenciado em educação física pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Arapongas (1975).

Títulos conquistados

■ Campeão brasileiro em 1967 e 1969

■ Vice-campeão brasileiro em 1966 e 1970

■ Campeão do 10º Encontro Nacional de Judô em 1967 e 1968

■ Campeão brasileiro judogam em 1968

■ Tricampeão brasileiro universitário em 1967, 1968 e 1969

■ Vice-campeão mundial universitário em 1968

■ Campeão sul-americano em 1970

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